As Arribas do Douro

Há algo de mágico por estas paragens! Quem cá vem apercebe-se logo disso. Não é por isto nem por aquilo... é por tudo! O visitante irá encontrar aqui um mundo aparte, um mundo que se manteve esquecido e, por esse motivo, intacto do exterior, protegido dos excessos e das confusões. Um mundo que se quer manter assim...

 

“Seja Deus louvado que nem tudo se perdeu com as incursões bárbaras do progresso”

                                                                          Manuel Mendes

 

"En uno de los repliegues de ese terreno se ocultan los hondos tajos, las encrespadas gargantas, los imponentes cuchillos, los erguidos esfayaderos, bajo los cuales, allá, en lo hondo, vive y corre el Duero" 

                                                                                      D. Miguel de Unamuno, "Las Arribes del Duero"

 

O Rio Douro, com os seus 928 Km de extensão, constitui uma das maiores bacias hidrográficas da Europa Ocidental, que se destaca pelos notáveis valores histórico-culturais, artísticos e ambientais. Após o seu lento percurso pelas planícies cerealíferas da meseta, o Douro forma a fronteira natural entre Portugal e Espanha. Nesta zona, conhecida como “Douro Internacional” no nosso país e “Arribes del Duero” em Espanha a natureza foi pródiga na beleza paisagística e na biodiversidade.

 

De Zamora até Barca d'Alva e ao longo de perto de 150 km, o rio desce de 640 metros de altitude para cerca de 150 metros. É uma descida violenta criando uma linha de fronteira inexpugnável. As gentes de ambas as margens limitaram-se durante séculos a olhar-se à distância. Estendiam-se cordas a unir os penedos e tentavam a medo raras travessias da corrente perigosa e torrencial. Havia, aliás, nalguns forais, penalidades para quem usasse as margens para insultar os do outro lado... E houve essa loucura das "entradas" que durante cerca de século e meio levaram a destruição e a vingança a quase todas as povoações de ambos os lados. Ainda hoje a aldeia A, portuguesa, tem o sino da aldeia B, espanhola, e esta, por sua vez, tem o santo da aldeia C, portuguesa, etc., etc..

O relevo desta zona caracteriza-se pelo encaixe da sua rede fluvial, onde os vales formam, frequentemente, vertentes escarpadas e falésias, com até 400 m de altura, produzindo uma paisagem de beleza impressionante. O microclima mediterrânico desta área, caracterizado pela suavidade das estações frias com uma quase ausência de geadas, foi aproveitado pelo Homem para o cultivo de espécies estranhas a estas latitudes como a: oliveira, amendoeira, citrinos. Essas culturas só foram possíveis pela construção de bancadas ou terraços nas vertentes ou arribas. Nessas zonas agrícolas, muitas delas já abandonadas, prolifera uma vegetaçao natural representada pelas azinheiras (ou carrascos como sao conhecidos na regiao), sobreiros, lodaos, zimbros, zambujeiros e outras espécies tipicamente mediterrânicas.

                Hoje, o Douro Internacional tem três travessias abertas a trânsito automóvel através das barragens de Miranda do Douro, Bemposta e Saucelle e as populações de ambas as margens têm uma crescente e amigável convivência. De um lado e do outro são terras igualmente isoladas e pobres.

 

 

                Parque Natural do Douro Internacional

 

Ao longo de mais de 130 km o rio Douro e o seu afluente Águeda constituem a fronteira natural entre Portugal e Espanha. Neste troço, o vale do Douro assume, devido à sua geomorfologia, uma estrutura de canhão fluvial, com declivosas  vertentes, ditas «arribas», onde abundam os afloramentos rochosos. Este enclave orográfico, de características únicas em termos geológicos e climáticos,  condicionou as comunidades florística e faunística e as actividades rurais. A  vida selvagem, em especial a avifauna, assume clara relevância à escala nacional  e em diversos aspectos à escala internacional

       São 86 mil hectares, distribuídos por quatro concelhos: Miranda do Douro, Mogadouro, Freixo de Espada à Cinta e Figueira de Castelo Rodrigo. Inclui nos seus limites 44 povoações, num total aproximado de 17 mil habitantes.

        

        Nos concelhos de Figueira de Castelo Rodrigo, Freixo de Espada à Cinta, Miranda  do Douro e Mogadouro a actividade agrária ocupa o espaço natural em que o homem  se assumiu como construtor da paisagem: dos amendoais aos olivais, das vinhas às searas de trigo e lameiros de feno, passando pelos rebanhos de ovinos, caprinos  e pela criação de gado bovino, num quadro diverso e multicolor cheio de  potencialidades. Ligadas à presença humana estão ainda as tradições, o folclore, o artesanato e até o dialecto mirandês. Estamos, pois, em presença de um património natural que, associado às  actividades humanas e ao património cultural local, confere a esta região características muito próprias. A conjugação destes elementos justifica a sua classificação como parque natural, tendo em vista a adopção de medidas que permitam a valorização das suas características mais relevantes, nomeadamente dos pontos de vista natural, paisagístico, sócio-económico e cultural.

           

    É ao longo do Rio Douro amaciado por cinco barragens e onde o homem chega a custo, que uma sensível comunidade de aves, algumas em perigosa regressão, possuem o seu habitat, como são os casos da cegonha preta, do grifo, da águia-real, da águia de bonneli, do milhafre-real e do abutre do egipto. O sossego têm-no ali, em fraguedos lavados por muitas águas. O alimento encontram-no nos campos de cereal, nos lameiros, nos soutos, nos carvalhais, nas vinhas e nos bosques de azinheira, carrasco e sobreiro que marcam o resto da paisagem do parque, de orografia aplanada. O que confere ao parque uma singular unidade ambiental é precisamente a existência de duas unidades ecológicas distintas: as  arribas e as planícies.

               

 

Quem se aventurar por uma das muitas veredas que vão dar ás arribas do Douro Internacional (caminhos de terra batida, entre vinhas,  olival e idílicos lameiros recortados por muros de xisto e granito bordados de freixos e olmos) poderá contemplar uma das mais esmagadoras paisagens do troço internacional do Douro, ouvir em silêncio absoluto o rumorejar do rio, seguir o voo de um abutre do egipto pela imponente verticalidade dos alcantis das margens do rio.

 

O que o espera é um "excesso de natureza"  onde apetece ficar horas sem fim em quietude contemplativa perante bosques de lodão, zimbro e carrasco que cobre todo o fraguedo das arribas do Douro em contraste com o olival. Só resta abrir a boca de espanto e entregar a alma à poesia.