1. Artigo publicado na revista científica Funec: Saber Universitário, ano 1, volume 1, 2º semestre de 2005, ISSN 1809-2578, páginas 16 a 20.

RESUMO
A proposta desse artigo é mostrar a importância da atividade científica na graduação e a relação do acadêmico com a pesquisa. O tema, embora por demais complexo, não pode deixar de ser discutido na universidade. A relevância da pesquisa está na capacidade de fazer avançar o conhecimento científico. O papel da introdução à pesquisa na graduação é levar o acadêmico ao pensamento lógico e a busca de respostas para os problemas.
Palavras-chave: iniciação científica; pesquisa; fazer científico; objeto de estudo.

0 – INTRODUÇÃO
O escrever é solitário, mas quando a linguagem do diálogo é livre, neste caso a palavra escrita, nos é permitido viajar pela fábula do pensar e fazer científico, tornando-o unido, universal e favorável a troca de idéias. A responsabilidade na produção de um artigo acadêmico-científico é um exercício contínuo no aperfeiçoamento da articulação teórica-prática-lógica-real. E é nesse processo que se busca a construção da cidadania porque a ciência é instrumento democrático e, como tal, consolida o homem como ser humano, reflexivo e voltado à consciência coletiva. O professor Milton Santos, crítico da globalização, nos auxilia a entender a uniformidade que deixa o mundo menos unido e mais distante do sonho de uma cidadania verdadeira. “De fato, para a grande maior parte da humanidade a globalização está se impondo como uma fábrica de perversidades… A globalização é, de certa forma, o ápice do processo de internacionalização do mundo capitalista”[1], avalia o professor da USP, Milton Santos. Ganhador do Prêmio Internacional de Geografia Vautrin Lud, morto em 2001, ele nos alerta para a dominação mercantilista e opressora dos países ricos que estimulam uma visão empírica dos fenômenos financeiros, econômicos, sociais e de identidades das sociedades emergentes em prol da sociedade globalizada e da inércia intelectual.
Nesta ciranda tirânica da formação de uma grande rede mundial de informação[2], que privilegia o imaginário do cidadão comum e não o discurso coletivo, é papel da universidade colocar em pauta, com a participação da comunidade, professores, pesquisadores, alunos, as deficiências de uma sociedade e revelar os poderes e as fraquezas de um Estado. Assim fazendo, a universidade proporá uma interpretação multidisciplinar e heterogênea do século 21, com a missão de apresentar caminhos que aprofundem os pilares de uma sociedade cujo personagem seja o ator e autor da sua história.
É com esta esperança alavancada pelo tempo e espelhada no olhar crítico do professor Milton Santos, que enxergo na ciência o senso comum para construir o artigo no sentido de refinar o papel do conhecimento científico em benefício da formação acadêmico-profissional, tendo como apoio o conhecimento popular, porque entendo que não há prática sem sustentação teórica.
Eu sei o quanto é complexo o explicar, mas nas próximas linhas pretendo desmistificar a imagem de que a pesquisa científica, em particular a desenvolvida pelo acadêmico, é competência dos gênios, dos loucos, dos anormais, do melhor que todos. O professor Rubem Alves, no primeiro capítulo da sua obra Filosofia da Ciência, página 11, dá a seguinte definição: “… a ciência é uma especialização, um refinamento de potenciais comuns a todos”.[3] O que o mestre quis referenciar é que todos têm qualidade e capacidade para produzir ciência, porque, segundo Rubem Alves, “… todo mito é perigoso porque induz o comportamento e inibe o pensamento”.[4]
É com este espírito desbravador de mitos que o acadêmico precisa conquistar a pesquisa na graduação porque a aprendizagem é resultado do aperfeiçoamento de uma habilidade já possuída e que está escondida por timidez, desinteresse ou por falta de incentivo. Não há ciência sem o fazer científico e nem pesquisador sem o conhecimento científico. Parece redundante o conteúdo desta oração, mas se olhar pelo estado lógico, observará que a procura pelo inusitado, pelo novo passa pelo crivo da ciência, caso contrário não é ciência, apenas curiosidade e “achismo”.
Mais uma vez cito o professor Rubem Alves para esclarecer dúvidas e ao mesmo tempo iluminar o caminho da ciência. “Pessoas que sabem as soluções já dadas são mendigos permanentes. Já as que aprendem a inventar soluções abrem portas até então fechadas e descobrem novas trilhas. A questão não é saber uma solução já dada, mas ser capaz de aprender maneiras novas de sobreviver”.[5] Na verdade, a função da ciência é desvendar o óbvio para apresentar caminhos que levam à formação de uma sociedade igualitária. E é esta a leitura que faço da reflexão do professor Rubem Alves porque, ao buscar no conhecimento popular a definição do mendigo permanente, uma das expressões encontradas foi: quem tudo sabe nada sabe.

1 – BRASIL
A universidade brasileira durante vários séculos foi conservadora, classista, reduto das nobrezas e facultativa ao cidadão comum. Essa vitrine burguesa, que isola a pesquisa, começa a se desmantelar com o professor Anísio Teixeira ao criar no Rio de Janeiro, na década de 30 do século passado, a Universidade do Distrito Federal que propunha a formação de professores e pesquisadores. Na década de 60 do mesmo século, Anísio Teixeira, ao lado de Darcy Ribeiro e outros intelectuais, participa da criação da Universidade de Brasília (UnB) que buscava o caminho da renovação do ensino superior brasileiro e do desenvolvimento da ciência.
Apesar de inovadora no Brasil a Universidade do Distrito Federal enfrenta dificuldades políticas pela revolta comunista de novembro de 1935 e com a instalação do Estado Novo em 1937 é eliminada e incorporada à Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil.[6] Já a UnB sofre com os desmandos do Governo Militar, instaurado em 31 de março de 1964.
A história da universidade brasileira, boa parte dela sendo utilitarista do Estado, revela que a ciência voltada aos fenômenos tupiniquins ficava à margem do processo ensino-aprendizagem. Durante muitos anos, o ensino-pesquisa-extensão não fez parte da universidade. Essa fragmentação prejudicou a formação da escola de humanidades e a construção do conhecimento que, por longos anos, foram substituídos pela formação tecnicista.
A Constituição de 1988 indica novos caminhos ao ensino superior brasileiro, que é consolidado com a implantação das Leis de Diretrizes e Bases da Educação, em dezembro de 1996. Esses dois documentos históricos, referendados pelo Congresso Nacional, dão autonomia à universidade brasileira. Esta democratização do ensino abre horizontes para que a universidade exerça em sua plenitude o papel político na manutenção ou na transformação do projeto global da sociedade.

2 – ATIVIDADE (TRABALHO) DE PESQUISA
Identificar uma boa universidade, um bom curso, não é uma tarefa fácil porque os valores da educação superior e da pesquisa nem sempre legitimam o interesse da comunidade. É preciso entender que a teia do saber, que compõe o fluxo de idéias e conhecimento da universidade, não pode ser reprodutora de estudos e pesquisas, sim indutora, porque só assim ciência tornará universal e menos imediatismo.
Além da formação profissional, pós 88, a universidade, embora de forma ainda tímida, oferece ao aluno introdução à pesquisa científica, à metodologia de pesquisa e elaboração de trabalhos científicos. A atividade de pesquisa na graduação, que para o professor titular da USP, Samuel Murgel Branco, compete aos cursos de pós-graduação stricto sensu, ao entender “que a função primordial do mestre é ensinar, e ensinar bem”[7], é importante na formação do egresso porque, sendo a ciência um conjunto de idéias universais, o ajudará no exercício profissional.
Independente dessa interpretação, observa-se que a busca pelo saber é incessante e contínua. Se assim o é, nada mais sensato que estimular o aluno a estudar utilizando o conhecimento científico e métodos de pesquisa, não o deixando fazer à revelia, como se o provável, o acaso ou o disse-que-disse e a consciência pessoal fossem entendidos/assimilados como ciência. “Teorias científicas podem ser metodicamente testadas, e é isso que separa o discurso da ciência de todos os demais.”[8] Essa análise feita pelo professor Rubem Alves contém a primazia de revelar ao aluno que quanto mais se sabe sobre menos, maior é a profundidade da ação. Se a extensão do problema fica menor, então o refinamento da habilidade de construção do objeto de estudo ganha dimensões universais e suscetíveis a experimentação (método científico).

2.1 – OBJETIVO
Quando a universidade avança, é oportuno salientar que a responsabilidade aumenta na formação de um cidadão crítico e um profissional qualificado, sem o ranço tecnicista, ou seja, sem reflexão do conhecimento. Esse processo não invalida a ponte entre teoria, prática e iniciação científica de uma forma homogênea sem causar traumas acadêmicos ao aluno. Busca-se, na verdade, a interatividade entre o ensino e a pesquisa.
Mas para que isso aconteça, é primordial que etapas de trabalho sejam percorridas. Entre elas, o aluno primeiramente precisa entender a importância da pesquisa científica na formação profissional e como fazer uso da mesma. Assim, o graduando aprende e assimila o rigor na investigação (pesquisa), no pensamento lógico, na leitura crítica e analítica dos fenômenos sociais, políticos, acadêmicos e culturais e nas apresentações oral e escrita inerentes ao desenvolvimento de cada etapa de trabalho.
O ideal é que o trabalho de pesquisa tenha linguagem e metodologia próprias do seu campo e que apresente organicidade e estrutura que facilitem a sua compreensão e o intercâmbio de informações.
O intuito é também fomentar a produção do aluno, incentivando o processo criativo e despertando o interesse pelas demais atividades acadêmicas. Visa ainda orientá-lo frente às etapas de elaboração do trabalho, por exemplo, aspectos metodológicos e escolha do objeto de estudo.
Quando bem elaborado e com valores científicos e metodológicos, o trabalho acadêmico é o momento de reflexão, de debate dos fenômenos sociais e políticos e da valorização cultural do aluno. A universidade é o espaço de criação e inovação, pois propicia a formação de cidadãos críticos e profissionais atuantes que não permaneçam a reboque do mercado de trabalho.
A atividade científica serve também para:
* aprimoramento da formação universitária;
* aperfeiçoamento da capacidade de interpretação e crítico-científica.
* avaliar até que ponto o aluno apresenta conhecimentos sobre o seu objeto de estudo;
* envolvimento do aluno na iniciação científica;
* formação ética social e científica;
* importância do estudo no contexto acadêmico e profissional;
* grau de formação do aluno e sua competência técnica e domínio da linguagem de iniciação científica;
* capacidade de reflexão-crítica para analisar o objeto de estudo;
* habilidade na investigação sem interferir no resultado;
* postura ética e compromisso com a cidadania;
* relação do objeto de estudo com a sua área de conhecimento;
* propor sugestões e indicar caminhos que possam orientar o aluno na produção de outros trabalhos de pesquisa;
* criatividade e originalidade;
* importância e adequação do objeto ao campo de estudo do curso e habilitação em que o aluno se gradua;
* relevância acadêmica ou científica do tema;
* formulação adequada do problema;
* metodologia utilizada;
* redação, observando-se a capacidade de expressão pela escrita, a correção gramatical, o nível de concisão e adequação da linguagem à natureza do trabalho e apresentação técnica;
* qualidade da bibliografia utilizada e adequação ao objeto de estudo;
* fundamentação ou apoio aos argumentos utilizados no trabalho, incluindo as fontes bibliográficas;
* consistência da argumentação, domínio de linguagem e nível de maturidade escolar profissional;

3 – OBJETO DE ESTUDO
É mistério para o aluno que chega à universidade, principalmente porque os cursos básicos das últimas décadas sofrem de dislexia em produzir a consciência crítica e didático-pedagógica, a iniciação científica e os métodos que se aplicam na construção do objeto de estudo. Para ele, o campo das ciências foi as experiências vividas esporadicamente em salas de aula quando o rigor da observação não recusa o “achismo” e opiniões pessoais. É esse aluno que a universidade precisa trabalhar para levá-lo a aprender a pensar e observar. “Interpretar o mundo e mudar o mundo são momentos combinados da práxis, da ação prática pela qual o homem e a sociedade mudam o mundo e mantêm o mundo ao mesmo tempo”, nos ensina o professor de Sociologia na Faculdade de Filosofia da USP, José de Souza Martins. [9]
Nessa perspectiva em que a introdução à pesquisa científica é a ferramenta e instrumento de refinamento e lapidação das potencialidades do acadêmico, nada mais coerente aprender a pesquisar fazendo pesquisa. É importante o iniciante ter em mente que não existe fórmula mágica para soluções de problemas e muito menos ciência sem problemas.. “Precisa-se ter conhecimento da realidade, algumas noções básicas de metodologia e técnicas de pesquisa, seriedade e, sobretudo, trabalho em equipe e consciência social.”[10] Mas para o sucesso ou frustrações de qualquer trabalho científico, o acadêmico, independente da sua área do conhecimento,  precisa entender que nada se faz ao acaso e todo processo científico começa com a escolha do tema, do gostar do objeto de estudo, delimitá-lo, provocar problema e, acima de tudo, montar o projeto de pesquisa. Sem essa estrutura organizacional não se faz pesquisa que é o conhecimento erudito, o registro, a certeza do sim ou do não, da causa do fenômeno e da razão.

4 – PROJETO DE PESQUISA
O Projeto de Pesquisa é o roteiro que o aluno utiliza para observar o seu objeto de estudo. O Projeto de Pesquisa é peça essencial para o formando delimitar o tema (do geral para o particular) a ser pesquisado; justificar a escolha do objeto de estudo; traçar os objetivos do trabalho; encontrar a metodologia adequada para usar na pesquisa documental e de campo; definir se usará recursos estatísticos, amostragem, entrevista etc; definir o local, o campo de pesquisa e a pesquisa de campo; indicar leituras especializadas e complementares; construção de hipóteses; estabelecer coleta de dados e elaborar um cronograma de atividades com prazos estabelecidos pelo orientador. Não é uma receita científica que vai resolver todos os problemas do pesquisador, mas, com certeza, evitará surpresa desagradável de última hora. O estudante precisa entender que uma pesquisa não é uma atividade feita ao acaso. Não pode ser fruto apenas do “achismo”. Ela tem procedimentos metodológicos específicos, indicadores de um caminho a ser percorrido. O Projeto de Pesquisa é um plano de trabalho que estabelece os passos que o estudante deve dar a cada etapa das atividades programadas. Para o pesquisador encontrar o objeto de estudo (problema formulado) que se enquadre ao seu perfil, é importante responder a oito perguntas:
O que fazer? Por que fazer? Para que fazer? Como fazer? Com quem fazer? Onde fazer? Com o que fazer? Quando fazer?
Não importa a seqüência das perguntas ou das respostas, o essencial é que as dúvidas sejam solucionadas antes de ir ao campo de trabalho. O agendar de atividades (Projeto de Pesquisa) facilitará a vida do aluno. Não há como fugir dele. A formulação de um problema a ser estudado passa pelo Projeto de Pesquisa.
O que se busca com o Projeto de Pesquisa não é apenas dividir as etapas de trabalho em quantas forem necessárias para solução do problema, mas evitar a precipitação, o preconceito, a imprecisão nos procedimentos metodológicos e também tem a serventia de conduzir o acadêmico ao raciocínio lógico, ordenado, inteligente e às particularidades do fenômeno em estudo.
A ciência, conhecimento científico, não pode ser considerada como algo pronto, acabado, pelo contrário, está sempre em mutação na busca das causas. Já o conhecimento popular, empirismo, “é o obtido ao acaso, após inúmeras tentativas. É o ametódico e assistemático”.[11]
É bom reprisar que a pesquisa se faz de um jeito na saúde, enquanto que nas humanas, por exemplo, se faz de outra maneira. Mas o primordial é que ambos buscam as causas e efeitos. O estudo apurado indica o caminho de combate a causa e/ou efeito, porque, por meio de métodos científicos, fica comprovado o motivo da causa e/ou efeito.

5 – CONHECIMENTO E CÂMPUS
Depois de historiar e contemplar que não há fenômeno abstrato ou imperceptível, mas nada o impede de ser estudado, fica a sensação que o fazer científico é um analgésico para o acadêmico e que independe do conhecimento para exercê-lo quando a tecnologia, a globalização, a rede imaginária (internet) estão em constante evolução e sempre a serviço do homem. Quero lembrar ao jovem acadêmico que o conhecimento se pratica cotidianamente mesmo sem a bandeira, às vezes, cômoda, da tecnologia de ponta. Digo mais que é possível fazer ciência sem o aparato grandioso da universidade, porque quando o conhecimento rompe barreiras fronteiriças do empurrar com a barriga (expressão popular) e se volta ao interesse social o homem é insubstituível. Mais uma vez, me desculpe o leitor, uso da sabedoria do professor Rubem Alves para enriquecer e exemplificar esse fato.
“O que é que se encontra no início? O jardim ou o jardineiro? É o jardineiro. Havendo um jardineiro, mais cedo ou mais tarde um jardim aparecerá. Mas, havendo um jardim sem jardineiro, mais cedo ou mais tarde ele desaparecerá. O que é um jardineiro? Uma pessoa cujo pensamento está cheio de jardins. O que faz um jardim são os pensamentos do jardineiro. O que faz um povo são os pensamentos daqueles que o compõem”.[12]
1.SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. São Paulo, Record, 2000,
pgs 19 e 22.
2.MATTELART, Armand. História da sociedade da informação. São Paulo. Edições Loyola, 2002. pg 7
3.ALVES, Rubem. Filosofia da ciência: introdução ao jogo e a suas regras. São Paulo, Edições Loyola, 2000, pg. 11.
4.___________________________, pg. 20.
5.___________________________, pg. 20.
6.www.cpdoc.fgv.br/nan-historia/html/anos30:37
7.BRANCO, Samuel Murgel. A formação de especialistas na universidade. O Estado de S. Paulo, 2 de abril de 2002, pg. A2.
8.ALVES, Rubem. Filosofia da ciência: introdução ao jogo e a suas regras. São Paulo, Edições Loyola, 2000, pg. 178
9.MARTINS, José do Souza. Em defesa do historiados livre de distorções. O Estado de S. Paulo, 23 de janeiro de 2005, pg. A2.
10.RICHARDSON, Roberto Jarry e colaboradores. Pesquisa social: métodos e técnicas. São Paulo, Editora Atlas, 1989, pg. 15.
11.CERVO, A.L. e BERVIAN, P.A. Metodologia científica. São Paulo, MacGraw-Hill do Brasil, 1983, pg. 7 e 8.
12.ALVES, Rubem. Entre a ciência e a sapiência. São Paulo, Edições Loyola, 2002, orelha do livro.