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Coluna Roberto Nasser
12/01/06

Lição de Detroit: passado faz história.
E história vende





Zé Mulato e Cassiano, mineiros residentes em Brasília e que formam festejada dupla de música de raiz, vencedores do Prêmio Sharp, podem registrar senão a conquista de ouvintes estrangeiros - pelo menos a globalização de frase de uma de suas músicas: Quem não tem passado não merece ter história. Será esta a sensação de qualquer visitante que entrar na tépida atmosfera do Cobo Hall, onde se realiza o NAIAS 2 006, o Salão do Automóvel, em Detroit, EUA, deixando para trás o gelado inverno. Uma volta ao passado ou, a sensação de ter comprado entrada para ver o que já conhecia.

Fenômeno mundial. As três maiores norte-americanas apresentaram produtos que são re leituras de sucessos anteriores: o Chevrolet Camaro; o Ford Mustang Cobra - em colaboração com o lendário Carrol Shelby; o Dodge Challenger, o Chrysler Imperial. Caminho global. A Toyota re-lançou o jipe Land Cruiser, com a mesma grade-ícone. Land Cruiser é a família que no Brasil se chamou Bandeirante. A italiana Lamborghini, hoje braço da Volkswagen, fez o mesmo com o mítico esportivo Miura, da década de ’60. A Ford mandou jogar fora o machado que a Volvo empregava para esculpir veículos, e agora, dona da marca, deve ter mandado contratar um massagista feminino cego para moldar o C 30. Buscou no fundo do baú seu veículo mais atrativo, o utilitário 1800SE, e fez edição de linhas harmônicas.




Das propostas de volta ao passado o Dodge Challenger, com motor V8, 6,1 litros, evolução do Hemi 5,7, e materialização do conceito R/T mostrado em Detroit há um ano, será lançado em setembro, como 2 007. O Imperial tenta resgatar a aura de luxo e performance deste modelo que durou dos anos ’50 aos ’70. Era o concorrente Chrysler para os luxuosos Cadillac GM e Lincoln Ford. É meio atrapalhado. Parece misturar linhas do Rolls Royce - o que por si só não é boa recomendação - com grade de carro coreano. Tem cara de pesquisa de mercado.

O Ford Shelby GT 500 não é protótipo. É produto final. A pesquisa vem sendo feita há dois anos. E houve pressa para lança-lo. Carrol Shelby, que lhe empresta o nome, é cardiopata e passou dos 80. Sua agenda não dá para brincar. O Volvo C 30 é produto apto ao mercado, assim como o Aston Martin Lagonda, também Ford, inspirado no nome e nos conceitos do modelo lançado há três décadas. É um sedã esportivo que dissimula as quatro portas e apresenta, como simbiose com os Jaguar, idem Ford, a esportiva tampa de combustível.

A controladora VW AG, que pagou a preço de nióbio o passe do milanês Walter De Silva, mandou-o criar a releitura do Miura Lamborghini. De Silva, decorador do Fiat Coupé, autor do Alfa 156, 166, 147, vem perpassando as marcas VW, da Seat `a Audi. O milanês refere-se ao Miura como o carro mais bonito do mundo e deu demonstração de gênio: respeitou o modelo original. Foi inequívoca a associação com J Mays, o diretor de estilo da Ford que há poucos anos, ao rever o Mustang e o Ford GT, também respeitou a genialidade dos modelos originais.

Quanto à releitura do Camaro, é pesquisa. A frente tomou o conceito do Cadillac Sixteen, o V 16, também protótipo. Precisa maturação. É claro que os veículos são interpretação atual, com tecnologia de hoje, em arquitetura mecânica, segurança, emissões, confortos e conveniências. A Chrysler puxa a fila do retrô: até seus motores derivam do conceito Hemi, dos anos ’50.

Na normalidade




Nem todas as novidades entraram no retorno que leva às lembranças do passado, ou decolam para nublado futuro. No espaço da Honda, japoneses com sorrisos de caricatura apresentavam o Fit, importado do Japão e que estará à venda nos EUA. Sorrisos amplos porquanto o picape Ridgeline e o Civic - que será lançado no Brasil - haviam sido escolhidos Carro do Ano em suas categorias. Surgiu, exposto, o primeiro chinês. Pretensioso, pequeno - do tamanho do Golf - nem sabe se passará pelas rígidas normas de segurança, mas está lá. É o Geely CK. Terá preço.

E apareceram os novos Mercedes-Benz GL, o utilitário esportivo p'ra valer, para sete passageiros, tração permanente nas 4 rodas. Também o novo Classe S - os sedãs de maior tamanho - em versão AMG, sua divisão de performance. G 65., com 612 ! cv e em torno de 100 kg de torque ! A Audi exibiu o Roadjet, prenuncio de novo produto, entre o A4 e A6. E a Toyota, como o Camry, seu líder de vendas, a novidade - sem justificativa - de uma transmissão automática com 8 velocidades. P'ra que isto num país com velocidade menor que 100 km/h; plano, ninguém sabe.

Resgate




Pode parecer falta de imaginação, perda de tempo, a volta ao passado. A mim ocorre outra interpretação. É a de que o mercado de automóveis para os países que mais os consomem, está saturado. Praticamente é preciso que um consumidor morra para que um adolescente o substitua. Os fabricantes tem necessidade de fazer carros e vender. E estes carros vem melhorando em tecnologia e qualidade, de modos que tem durabilidade muito grande. Ou seja, não serão substituídos porque são ruins, quebradores, freqüentadores de oficinas. Desta forma, para unstar novas vendas, tem criado veículos por moda, como as vans, os utilitários esportivos, os jipinhos urbanos, os fugazes crossover - que ninguém sabe exatamente o que seja.

A onda retrô é um separador de qualidades. Só pode ser retrô quem tem história e tradição. Não é um caminho que se esgota com a lembrança do passado, o culto. Muito mais que isto, é um separador do mercado. Separa, exatamente, os incômodos e aborrecidos concorrentes atuais - japoneses e coreanos. Novos no pedaço automobilístico, não tem história ou tradição a mostrar. É esta evidência histórica, fática, que permite a diferenciação. Os novos concorrentes nada tem neste segmento. E é o que explica a retomada das montadoras a investir em museus, no credenciamento de empresas para reproduzir peças de veículos antigos, na boa vontade em arranjar orientações e informações sobre restauração e conservação de seus produtos antigos, cuidados por particulares. Um carro antigo, brilhante, refulgente, andando firme e competentemente, vale mais que mil argumentos sobre qualidade. Quem não tem passado, não merece ter história. A dupla quase-caipira explicou, as multi nacionais entenderam ( RN )

Efeitos locais

São reduzidos os efeitos físicos dos lançamentos de Detroit no mercado brasileiro. As importações serão restritas pela elevada barreira tributária e pelos impostos em cascata. Virão produtos mexicanos, conseqüência do bem estruturado acordo de isenção de impostos de importação entre os dois países. Na prática, a vinda de produtos como os VW Bora e Jetta; do Ford Fusion; do novo Nissan Sentra; do picape Dodge 2500 RAM.

A ser considerada as linguagens diplomática e feminina, onde o nada dizer pode significar muito, a DaimlerChrysler não se manifestou formalmente sobre a tão moderna quanto ociosa fábrica em Juiz de Fora. Ali a empresa pretendia fazer o Smart ForMore, produto de exportação para os EUA. No mesmo salão, ano passado, avocou os planos e logo depois cancelou o ForMore. O resultado prometido e esperado era o anúncio do fim da linha Smart. Mas, em vez disto, Dieter Zetsche, novo presidente da DC, mandou rever planos. Ou, como se espera em Minas, a possibilidade da continuidade é uma esperança. A fábrica de Juiz de Fora funciona em marcha lenta, montando os Mercedes Classe C para exportação, sem componentes nacionais exceto a festejada e excelente mão de obra.



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Roberto Nasser é jornalista.
email: robertonasser@bol.com.br
   
 
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